segunda-feira, 12 de maio de 2008

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Ética. Alguém viu por ai ?, por Carlos Baqueiro

Existe somente uma Ética ? Não creio nisso.

No próprio dicionário podemos encontrar pelo menos 2 conceitos para tal palavra.

O Dicionário Houaiss exemplifica: “Em doutrinas racionalistas e metafísicas, é o estudo das finalidades últimas, ideais e, em alguns casos, transcendentes, que orientam a ação humana para o máximo de harmonia, universalidade, excelência ou perfectibilidade, o que implica a superação de paixões e desejos irrefletidos”, ou “conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade”.

Fiz esta introdução para começar a analisar o vídeo criado pela TV Cultura, em 1991, com o nome “Ética, alguém viu por ai”, que assisti por esses dias. Mas para isso temos que definir inicialmente que tipo de Ética se está a procura, naquele programa.

Uma das boas evidências de que tipo de Ética se está procurando podemos perceber nas diversas citações, dentro do vídeo, a respeito de uma tal “Lei de Gerson”. Não é nenhuma lei axiologicamente neutra, nem criada por qualquer positivista do século XIX. A “Lei de Gerson” é uma referência simbólica às ditas atitudes dos brasileiros ao desejarem “levar vantagem em tudo”, como insinuava o canhotinha de ouro, na propaganda do cigarro Vila Rica em meados da década de 80.

Partindo da premissa de que a sociedade brasileira está corrompida com um germe que incentiva o individualismo e inibe qualquer valorização de atitudes solidárias, o vídeo nos deixa a impressão de que as conjuntura é quase imutável. Ai está a Ética procurada. Mas tão distante de ser encontrada que nem padeceria de ser buscada.

A idéia de verdades únicas, éticas únicas, leis absolutas, criam no imaginário social um desejo de ócio mental. Ao fortalecer uma forma de pensar através de dogmas e pensamentos de sentido único deixamos de lado a possibilidade de entender o mundo da forma complexa como ele deveria ser entedido.

Pois, como já nos dizia o filósofo francês Michel Foucault, “a verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros...

Durante todo o vídeo vamos vendo imagens de “desvios” de conduta que parecem nos conduzir a considerar boa parte da população brasileira como anti-ética.

Flanelinhas desrespeitosos, cambistas sem a mínima vergonha na cara... Judocas desesperados com a roubalheira dentro de suas federações... penitenciárias criando um sistema de direito próprio...

O velho Macunaíma renasce (sem a característica cínica e sarcástica com o qual nasceu) mais intensamente ainda, para a felicidade de alguns intelectuais que são entrevistados. Nas suas concepções de mundo, corrupção e impunidade impulsionam a sociedade para um abismo, bem ao gosto de adornianos.

Flanelhinhas desrespeitosos ? Onde é que aqueles caras (as vezes meninos) vivem ? Em barracos de dois cômodos ? Dormem em camas coletivas, com 5 ou 6 outros corpos ? Esses flanelhinhas deveriam respeitar os mauricinhos e mauricinhas que têm suas mesadas de três dígitos e tomar conta dos seus carrões por um preço bem baratinho ? Alguns desses caras estão colocando comida na boca de dezenas de irmãos. Ou não. Podem estar pegando sua grana e consumindo drogas (crack que é mais barato).

Temos de procurar a Ética nessas circunstâncias ? Que Ética ?

É muitíssimo perigoso. Em uma das situações do vídeo aparenta-se qualificar os clientes de um cinema de éticos, e aqueles que tentam sobreviver como cambistas de anti-éticos.

É claro que não devemos nos isolar do mundo, deixando de tentar entendê-lo devido a toda complexidade que o cerca. É claro que devemos lutar por um mundo melhor, pelo mundo que queremos.

Mas primeiro de tudo, devemos ter claro em nossas cabeças que o tal “mundo melhor” está em nossas cabeças, e pode não estar nas dos outros. Assim devemos apresentar um discurso de defesa de nossos desejos não caracterizando os outros como seres demoníacos, algozes da liberdade, escrotos, ou qualquer outro sinônimo de coisa ruim.

Creio que como jornalistas nossos discursos devem estar, na medida do possível, ligados ao contexto em que vivemos, sem tentarmos maniqueizar seus personagens, ou seja, dividí-los em eternos mocinhos e bandidos.

6 comentários:

Anônimo disse...

A tal ética esta de acordo com a sua posição no mercado, depende muito dos seus interesses pessoais e profissionais.

Boa matéria!!!

Anônimo disse...

Algumas recentes teorias multidisciplinares querem provar, à todo custo, que o ‘brasileiro médio’ é antiético desde a tenra idade; corrupto por natureza cromossômica; e só tem por meta individual a realização pessoal a qualquer custo. Isto tudo independente de qual extrato social esteja posicionado e, ou da ideologia política praticada por ele.

Consubstancia assim a velhíssima questão moral, ou para nos atermos ao texto em debate, que em muito recorda o tema da ética proposto por Eric Fromm em "o ser ou o ter"...

Mas que - por razões humorísticas e não moral - simplificamos com um velhíssimo adágio popular: espantem sempre as moscas para que assim elas renovem, pois a merda há que perdurar pelos séculos e séculos, amém!!!

Ass.: kyz

more one marketing's game. disse...

Boa matéria! Muito inteligente.
Mas eu achei muito taxativa a forma como você 'defendeu' a ética do flanelinha. Não é porque ele não teve sucesso na vida que ele tem o direito de desrespeitar quem teve. Claro que não defendendo nenhum mauricinho, mas te muita gente que tem dinheiro porque lutou e suou por isso.

Mas parabéns pela forma de escrever e pela questão posta em pauta. Vale mesmo a pena pensar sobre.

Abraços

Anônimo disse...

Interessante o texto, porém creio que a raiz do problema não está aí!
É incrível como obsvervamos e falamos tão mal de um povo que é o nosso povo, o país que é o nosso pais.
O que está errado é a falta de base. Temos um sistema (criado e disseminado por nos mesmos) que não faz o ser humano pensar. É preciso fazer as nossas criançar terem senso crítico, voltar a verdade inicial, criar novamente os valores de família.
Ética faz parte da cultura de um povo, para mudar isto somente a seleção e destruição do povo (maneira rápida) ou realinhar com a educação(maneira lenta).
Temos que ter em mente esta disseminação do senso crítico, a união não faz só a força, mas também manifestação e mudança!

Vivemos em uma sociedade que ridicula um candidado a presidência que pensa que o futuro é a educação mas a mesma sociedade vive como em "Metrópole - Legião Urbana." ("É sangue mesmo, não é mertiolate E todos querem ver E comentar a novidade É tão emocionante um acidente de verdade Estão todos satisfeitos Com o sucesso do desastre....")

Viva a estagnação da sociedade! Não é a ética de uma pessoa que muda o mundo. Mais importante que aprender é ensinar!

Abraços
Bruno W

Anônimo disse...

Bom, nao sei se essas "absolutas" criam o desejo do tal ocio... Mas sei que - justamente isso - gera a curiosidade por "outros lados das moedas". Os inconformados sempre buscarão por isso. Espero que ainda existam inconformados.

Contudo, acredito que a ética está cedendo espaço (ou transformando-se - como queira) em conveniencia. Ah, e isso - pelo que ouço e vejo - nao é um acontecimento restrito ao Brasil.

Sabe, parece que o consumismo estendeu o seu consumo/descartabilidade aos seres humanos, reificando-nos.

Onde antes se dizia amigo, agora se diz mercadoria ou ferramenta em potencial de uso...

Parabéns pelo texto. O video tb é muito bom para refletir.

Abraços
Édilo

Anônimo disse...

Parabéns pelo seu comentário do vídeo. Eu precisava fazer um trabalho sobre ele e não tinha entendido absolutamente nada. Obrigado mesmo !
Abraços =D

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