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Entrevista sobre o jornal O Inimigo do Rei (Continuação)...
Continuação da entrevista iniciada na segunda-feira.
Houve algum tipo de reprimenda dos “reis” e “coronéis” da época ao jornal? Uma coisa que me chamava à atenção no jornal era o viés sarcástico de muitos textos.
Quando o jornal foi publicado pela primeira vez, em outubro de 1977, a censura prévia à imprensa estava com seus dias contados. Não era mais necessário apresentar todo o conteúdo de um jornal para os censores (situação de que foram vítimas “O Pasquim”, “Opinião”, “O Movimento” etc).
Mas, mesmo assim, o jornal era de difícil distribuição. Poucas bancas aceitavam vender “O Inimigo do Rei” (principalmente se as capas tinham alguma coisa “estranha”, como dois homens se agarrando, por exemplo). A polícia não deixava a gente vender em áreas de grande concentração popular (e muitas vezes aqueles que tentavam eram corridos pelo cheiro do cassetete). Pelo menos uma vez, tivemos a certeza de que a Polícia Federal estava de olho nos indivíduos que participavam do jornal, pois um cara se dedurou, depois de algum tempo tomando muita cerveja com a gente. (risos)
Acho que era o tal desse "viés sarcástico" que incomodava tanto a direita, quanto à esquerda.
E a esquerdalha tradicional, que era muito criticada, se incomodava com o jornal?
Isso. A grande repressão era mesmo da própria esquerda. Os caras dos partidos marxistas não aceitavam que os anarquistas ficassem vendendo jornal nas áreas “deles”, dentro das universidades. Além disso, a partir da venda dos jornais ainda dava para fazer propaganda boca a boca. Como o jornal falava mal de seus “ídolos”, malhando a invasão da Checoslováquia, a ditadura da Albânia, a idolatria chinesa etc., eles partiam para a violência física pura e simplesmente, correndo atrás dos anarquistas quando estavam em maioria. (risos) Ou sacaneando com a imagem dos anarquistas (dizendo que eram pequeno burgueses, que eram militares infiltrados etc., coisas bem manjadas a séculos).
Pena que alguns anarquistas ficaram do lado de marxistas. Esses anarquistas se danavam dizendo que o jornal malhava mais a esquerda marxista do que a ditadura, e aí teve até crise porque muitos anarquistas deixaram de dar apoio ao jornal, por causa disso. Aliás, outra crise dentro do jornal aconteceu por causa de uma confusão entre os anarquistas também. Houve uma crítica quanto ao “excesso” de matérias falando de homossexualismo. Essa crítica partia mais do pessoal da velha guarda, acostumado com os jornais antigos (“Ação Direta”, “A Plebe” etc.) que não se detinham nada ou quase nada em assuntos sobre sexualidade, mas também gerou um grande mal estar (e acho que até hoje vem gerando).
Acho que “O Inimigo do Rei” foi o primeiro jornal a fazer críticas abertas e contundentes ao PT, e a “desconfiar” do Lula, não?
Na construção da Central Única dos Trabalhadores (CUT) até que tinha gente anarquista envolvida. Os anarquistas pareciam perceber algo de interessante no "novo sindicalismo". As perspectivas de autonomia e pluralismo sindicais eram bandeiras da CUT em seus primeiros tempos de vida, sendo simpáticas aos libertários.
Mas quanto ao Partido dos Trabalhadores (PT) a desconfiança era para valer. Desde as primeiras idéias do partido dos operários, lá pelos anos de 1978 e 1979, após as greves do ABC paulista.
Um dos melhores exemplos de críticas ao Partido dos Trabalhadores, que seria criado no começo dos anos 80, foram os textos do saudoso Ideal Peres, publicados no jornal. Ele, usando diversos pseudônimos, escreveu um bocado contra o futuro partido. Em um dos seus textos, com o irônico título "Oba! Oba! Partido dos Trabalhadores...", ele escrevia o seguinte:
"Criar o Partido dos Trabalhadores é, implicitamente, aceitar a regra do jogo estabelecido pelas classes dominantes. E caminhar pela ação indireta. É abandonar a luta de confronto direto entre produtores e o sistema. É entregar a um grupo, a solução dos problemas que só os próprios operários em conjunto poderão solucionar. É, em uma palavra, cair em total alienação".
Nada mais atual, né? Um texto escrito a mais de 25 anos atrás.
terça-feira, 5 de agosto de 2008
Continua na Sexta-Feira...
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