segunda-feira, 29 de setembro de 2008

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20 Anos Depois...
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A partir de hoje, e nas próximas postagens estaremos fazendo uma análise dos últimos 20 anos.
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A escolha desse intervalo se deu em homenagem ao jornal O Inimigo do Rei, um jornal anarquista que sobreviveu entre os anos de 1977 e 1988. Aquele jornal tentava, em suas edições, desmistificar tanto os dogmas políticos de esquerda, quanto os de direita, do mesmo jeito que nós do Mídia Rebelde tentamos hoje, neste pequeno espaço que teimamos, às vezes cinicamente, em utilizar.
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Os textos aqui apresentados também já deverão servir de preâmbulos do Seminário sobre A Doutrina do Pensamento Único, que acontecerá nos dias 16 e 17 de Outubro desse ano, no Sindicato dos Petroleiros, no Tororó, em Salvador.
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Para começar, o integrante do ISVA e um dos criadores do jornal O Inimigo do Rei, Eduardo Nunes...
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Boa leitura para todos.
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Biobibliografia da contestação, por Eduardo Nunes
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"Se quiseres um escudo impenetrável, fica dentro de ti mesmo"
Thoreau
A prisão fabrica um verdadeiro exército de inimigos interiores
Foucault
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Caos na cidade, no país, no mundo. Um clima de anarquia e tensão por todo lado. Essa era a situação há 20 anos atrás, e agora como estamos? Caos no mundo, no país, na cidade. Um clima de tensão e anarquia por toda parte.
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No início dos anos 1980, enterrávamos a pequena e rebelde Revista Barbárie, restrita a 5 números, publicada num período de 3 anos de intensa atuação e encerrava-se também a atuação nos bairros, nos sindicatos e universidade. Não sem perplexidade, des-razão e uma sincera desilusão, simplesmente, imergimos num mar de calamidades e mudanças rápidas. Anos mais tarde, via desaparecer também o valoroso e anárquico O Inimigo do Rei (1988) que ajudei a criar e participar dos primeiros números.
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Estava em 1988 com meus 33 anos de idade, concluindo o mestrado de ciências sociais na UFBA, e, ao comprar um apartamento, fiquei desempregado e tendo que cuidar de uma filha de 7 anos de idade. Ainda ouvia Lou Reed e The Doors, mas já avistava os estertores dos punks e dos Rolling Stones, heraclitianamente, tudo se transformava em perfumaria. Agora me tornei sambista convicto e depois, quem sabe...
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Naqueles tempos de cólera, precisava sobreviver. Desempregado, parti para múltiplas atividades, desde prestação de serviços para o próprio Estado na área de meio ambiente, à aprendizagem e produção com apicultura, minhoca, milho, feijão, galinha caipira e outros bichos.
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Esses anos serviram-me para ter mais paciência, saber esperar e partir para novos desafios.
A navegação com os computadores estavam aparecendo por aqui, no país das caravelas sem vento. A euforia dos novos tempos democráticos, ao contrário, das explosões libertárias que ocorreram na Espanha com a morte de Franco, provocou por aqui, prematuramente, a morte dos nanicos, da imprensa alternativa, da verdadeira contestação. O Estado como épocas anteriores absorvia e manipulava aos poucos toda a rede sindical. Então o que fazer? Sobreviver, sobreviver, era a palavra de ordem.
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Acompanhando essa crise, vimos o desabar do muro de Berlim e as asas da borboleta fizeram ruir também diversas outras ditaduras, implodidas pela falta de liberdade, pela falta de igualdade e pela falta de solidariedade. Fim de mais de um século de esperanças libertárias. Fim da história? Ainda não...
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O mundo capitalista aponta então suas armas, com prazos de validade já para vencer, para outros territórios onde a instabilidade política era o principal propósito para fazer prevalecer seus interesses econômicos. Nesse cenário, surge um novo tipo de terrorista, não mais com apenas um revólver, uma bomba no bolso do paletó, ou uma faca, mas com dezenas de bombas pregadas pelo corpo todo, dentro de automóveis ou nos aviões comerciais. Chegará o dia em que esses terroristas terão em suas mãos, em seu controle, pequenas bombas atômicas, químicas, radioativas.
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Nos anos 90, mudei novamente de atividade, passei para a condição de professor universitário e, paralelamente, desenvolvia atividades comunitárias. A vida melhorou, melhorou tanto que consegui viver dois anos no final da década em Barcelona, na cidade anarquista, estudando para o doutorado na Faculdade de Geografia e História da Universidade de Barcelona. Lá visitei os grupos anarquistas e tive a possibilidade de participar de um primeiro de maio com a histórica CNT.
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Além do mais, pude visitar o CIRA na Suíça. Bons tempos esses! Concluí meu doutorado, no início do século XXI, levantando uma discussão sobre o papel da ciência, tecnologia e sociedade e, continuei lecionando na universidade.
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A partir daí, ampliei minhas ações nos bairros de Salvador e retomei os laços com antigos companheiros de luta. Desse modo, voltei aos antigos sonhos de pequenas comunidades alternativas tão sonhadas nos anos 1970 quando era estudante universitário. Voltei a freqüentar um pequeno espaço libertário no bairro de Valéria, onde passei a aprender a importância da natureza e da relação do ser humano com ela e com o cosmo.
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A horta natureza de iniciativa da família Mendes que ajudei a construir juntamente com a família Santos, Albuquerque e muitas outras que por ali passaram, hoje, transformada numa agrofloresta com muitas vidas para sustentar e sonhos para sonhar.
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Os sonhos, portanto, continuam quase os mesmos, os medos ainda são também os mesmos. A esperança se reforça nas ações cotidianas, nos olhos das pessoas com que convivo. Para além do inferno aqui na terra e do nirvana lá no plano astral, continuo caminhando, pois ainda há caminhos a ser percorrido, antes de voltar ao pó.
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Então, o que aconteceu nesses últimos 20 anos:
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A espécie humana e as demasiadamente humanas estão em ritmo acelerado de extinção. Os carros permanecem sobre quatro rodas, mas aumentaram assustadoramente, consumindo milhões e milhões de litros de gasolina, poluindo cada vez mais as cidades e o planeta. Pobres aos milhares, ou melhor, bilhões de pobres apodrecendo nesse planeta favela.
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Oceanos contaminados, devastação acelerada das florestas, contaminação dos solos pela química, inúmeras e diferentes espécies também em extinção. Concluindo com um pensamento indígena: somente aprenderemos que dinheiro não se come, quando destruirmos a última árvore e o último rio.
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Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra?
Essa idéia nos parece um pouco estranha.
Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água,
como é possível comprá-los.”

Um comentário:

Anônimo disse...

Eduardo,

marcante o seu texto, idêntico a sua trajetória. Isso tudo sem pieguice. um fato merece ser registrado: quando fomos apresentados na sala de aula da UNEB, no 2º semestre de 1997,você na condição de professor, e eu, de aluno, já conhecia o Inimigo do Rei, assim como conhecia os textos do "Eduardo Nunes", porque li quase todos os números do Inimigo. Ou seja, foi apresentado à criatura e depois compartilhei com um dos criadores. Como conheci o jornal a partir de 89, escreverei sob a ótica de quem foi beneficiado pelo IR após o seu fim. Que tal?
Um grande abraço,
Jailson.

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