quarta-feira, 20 de agosto de 2008

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Tristes Especialistas em Generalidades, por Carlos Baqueiro


Há no curso de jornalismo, como em toda a vida, pessoas que tentam nos ensinar e passar seus pontos de vista sobre o mundo, sobre a vida. Mas no final das contas a escolha que faremos e levaremos à frente será sempre nossa.

No terceiro semestre do curso havia um professor que dizia: “O Jornalista é um Especialista em Generalidades”.

Triste especialidade.

O mesmo professor, apenas como mais um referencial do que se aprende na escola de jornalismo, disse também que o jornalista nunca deve mentir... mas não haveria problemas em omitir informações, desde que fosse por um bom motivo, segundo meu mestre (mas esse tema nem vou discutir hoje aqui).

Voltemos a triste especialidade.

A edição da Revista Veja dessa semana pode ser um bom exemplo para se entender o que vem a ser o Especialista em Generalidades (obviamente a revista pode ser exemplo de tanta coisa ruim no jornalismo que nem dá prá se falar de tudo).

Os jornalistas generalistas da revista deram na veneta de falar de educação essa edição.

Primeiro, com uma certa razão, criticam a situação de estudantes que não conseguem compreender um texto ou realizar contas simples. Já ensinei a disciplina História na Aceleração de 7ª e 8ª Séries há cinco anos atrás e deu para perceber isso muito bem.

Mas a Veja, como de praxe, aproveita-se da necessária informação sobre a situação da educação no Brasil para escancarar seus pontos de vista sobre o mundo... perceba-se mais uma vez, os pontos de vista sobre o mundo dela. Mas escancaram tudo como se aquele ponto de vista fosse o verdadeiro, o absolutamente verdadeiro, o verdadeiramente estanque.

Assim tiram proveito e lançam mão do direito que têm da livre expressão para dizer que um dos culpados da situação da educação são os professores que “incutem ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos”. Numa matéria com o título “Prontos Para o Século XIX”, as especialistas em generalidades Monica Weinberg e Camila Pereira relatam, em gráfico, que 29% dos professores se identificam com Paulo Freire. Ihhhh....

Será que com aquele exemplo do gráfico elas queriam dizer que Paulo Freire representa idéias do Século XIX, ou melhor, representa “ideologias anacrônicas e preconceitos esquerdistas nos alunos” ?

Paulo Freire, falecido em 1997, foi sempre um educador de referência para todo o mundo, não só para indivíduos socialistas, como ele o foi. Criou um método de alfabetização que preza os valores locais do educando. Foi dele a frase seguinte: “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.

Você acha que um sujeito que falava de liberdade, autonomia, igualdade, deveria ser negado por educadores como seu referencial ? Será que um cara que disse que nos afirmaríamos na rebeldia e não na resignação, representaria “idéias anacrônicas” ? É claro que não !!!

A reportagem também é feita com base em uma pesquisa nos livros escolares usados em escolas privadas. Ali a revista (as autoras da reportagem ou seu editor ??) constata uma série de “informações distorcidas”, e “miopias ideológicas”, termos estabelecidos pelas autoras da reportagem.

Conhecem aquele ditado que diz prá gente sempre se olhar no espelho antes de falar dos outros ?

Acho que se aplica a revista Veja, pois é óbvio que ela também tem suas “miopias ideológicas”. Aliás, todos nós as temos. E elas surgem, clara ou ofuscadamente, por má fé, ou inocentemente, quando se escreve uma dissertação de Geografia, uma carta de repúdio à violência policial, ou um artigo em um blog.

Não é a toa que a "miopia" da revista defende boa parte das posições de direita ainda presentes no país. Há 13 anos atrás ela atacava a Petrobras (e ajudava a Bob Fields na identificação da empresa com os antigos dinossauros). Hoje, ela critica a criação de uma nova estatal de petróleo, chamando-a ironicamente de PetroSALro (defendendo a Petrobras ???)...

Mas é isso...

A imprensa brasileira e seus especialistas generalistas estão ai, em nosso dia-a-dia. Tentando nos convencer a acreditar no mesmo que os seus donos acreditam. E com uma vontade danada de que todo mundo pense que são imparciais e que não nos mentem.

Mas a Revista Veja pode querer tudo. Estabelecer uma nova concepção educacional (mesmo que saibamos que é bem antiga), pode querer distorcer a história para que tudo que ela fale faça sentido, pode querer até que gostemos das suas páginas de publicidade. Uma coisa é ela querer. Outra é aceitarmos isso tudo. Como já tinha dito no início do texto a escolha final em aceitar ou não será sempre nossa.

Ah... E vejam só que coisa. A elite "larga" os cursos de licenciatura para os filhos do povão e agora seus representantes midiáticos querem que aqueles rapazes e moças crescidos, e que aprenderam bem ou mal a serem educadores, defendam os mesmos ideais que ela precisa reproduzir para se manter no poder (competitividade e resignação até o último fio de cabelo).

Querem que os professores neguem que o capitalismo explora, querem que os professores defendam as posições ideológicas dos donos dos grandes conglomerados empresariais, querem até mesmo que os professores assassinem seus ídolos.

E tudo isso com a ajuda dos seus especialistas em generalidades.

Por isso tudo, é preciso se cuidar.

5 comentários:

Anônimo disse...

Gostei do artigo Baqueiro, por ter sido bem desenvolvido, e por saber que você não é um especialista em generalidades. E mais, por saber que você por ser quem é, tem experiência de vida suficiente para levar informação aliada a conhecimento para os letores do blog.

Alan, ex-estudante de Comunicação Social, muitíssimo em breve Geografo aliado às idéias capitalistas e posições ideológicas dos donos dos grandes conglomerados empresariais. Abraço.

Anônimo disse...

Corrigindo a palavra leitores do comentário anterior= "i".

Anônimo disse...

Essa é uma questão interessante: re-afirmar sempre “CONCEITOS”, que levam a reproduzir o capitalismo enquanto ideologia da exploração, dominação e alienação.
É o que sempre fez ‘a mídia’ (a revista veja e outras) daqui e de outros tantos cantos. Apoiando-se em suas marionetes ‘esclarecidas’ (editores, chefe de reportagens etc.) e, portanto, encasteladas em postos de mando (e desmando) para emitir sempre opiniões “verdadeiras” sobre tudo e um pouquinho mais...
Ass.: KyZ

Anônimo disse...

Ótima crítica Baqueiro, é inumerável as reportagens de efeito torpe que são produzidas pela Veja a cada edição!
Porém não só ela produz temas que são produzidos com pouca ou nenhuma fundamentação.

A edição deste mês da Caros Amigos, (Mylton Severiano p. 13) fala sobre o uma reportagem que saiu na Folha em primeira página. A mesma trata do episódio em que dois PM's abriram fogo contra uma mãe que levava os seus dois filhos no Rio e teria sido "confundida com assaltantes".
Adivinhe como a Folha noticiou?
"Mãe acusa PM's de matar filho no Rio".
Pode?

Anônimo disse...

Pois essa é a Caros ou a Caras (?)
Amigos..

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