"FALE AGORA OU CALE-SE PARA SEMPRE", por Anderson Souza.
Sendo talvez a mais antiga das instituições que o mundo conhece, o casamento vem sofrendo significativas alterações em sua concepção. Numa rápida busca pela internet encontrei explicações que distinguiam juridicamente o matrimônio como "uma associação, na qual os sócios são de iguais valores, vivendo sempre para complementar um ao outro" e religiosamente, tendo o objetivo de "fundir duas pessoas numa unidade harmônica e criativa de alma e corpo".
Durante a semana procurei saber a opinião de algumas pessoas sobre o casamento. Percebi que o assunto causou certo desconforto e acredito que por isto a maioria hesitou em falar a respeito. Aqueles que responderam às minhas perguntas, por outro lado, pareceram não querer se expor por completo; pois, a maior parte das respostas foi um tanto quanto evasiva. De qualquer maneira, ainda que ínfima, podemos ter uma noção de como uma parcela da sociedade pensa a respeito do casamento tradicional.
Para o consultor técnico Ajota Nascimento, as vantagens e desvantagens do casamento "estão relacionadas aos interesses do casal". Com isso, percebemos claramente o valor burocrático ao qual o casamento está associado. Casada há 3 anos, tanto no civil quanto no religioso, a analista de recursos humanos, Carol Pussente, diz que a vantagem de uma união conjugal está em "poder compartilhar todos os momentos de vitórias e dificuldades a dois". Ela considera desvantajoso o fato de "ter que suportar alguns hábitos e vícios". Entretanto, a maioria dos entrevistados revela não ser favorável a dar satisfações de tudo para o outro. Mas como sintetiza o professor José Anselmo Amorim dos Santos, separado há 4 meses após um relacionamento de 10 anos, a vida conjugal "é o constante exercício de lidar com as diferenças".
Considerando que as pessoas se casam por amor, qual a necessidade de assinar um contrato que tem como única finalidade a garantia dos bens materiais, no caso de uma separação ou falecimento do companheiro? "Não há necessidade. É apenas uma formalidade", justifica a bióloga Daiana Gondim. Porém, esta "mera" formalidade deve registrar ou não explicitamente a separação dos bens, e em muitos casos cujos bens de uma das partes ou ambas é de grande valor econômico, vê-se, além do contrato, acordos pré-nupciais. O que, pra mim, demonstra certa desconfiança nos interesses do companheiro ou companheira. Carol admite: "a necessidade é justamente de garantir que aquele tempo de união possa assegurar um futuro ou, até mesmo, o presente de forma mais qualitativa, com aquisição de bens, plano de saúde, etc.".
Quando o padre diz: "eu vos declaro marido e mulher até que a morte os separe", aos olhos da Igreja, a possibilidade de uma separação antes de tal fatalidade é impensável. Contrariamente, o que vemos são justamente pessoas casando hoje e separando no dia seguinte. Daiana não acredita que a união conjugal deva durar até que a morte separe, mas "até que ambos estejam felizes e satisfeitos com o casamento". Ora, não podemos esquecer da promessa feita no altar diante de Deus e das testemunhas. Ajota brinca, dizendo concordar com tal idéia religiosamente, mas racionalmente não. Já a estudante Maria Helena Moreira, aposta na relação até o final da vida: "se não houver sacrifícios e for prazerosa, sim", ressalva.
O sexo parece estar diretamente ligado ao casamento. Ele pode unir e apimentar a relação quando ambos estão satisfeitos com o desempenho de cada um, ou causar desarmonia quando praticado extraconjugalmente. Certa vez, um colega me disse que o bom do casamento é que ele teria sexo garantido em casa. Apesar de não estar tão certo disso, pensei se seria este então o objetivo do casamento. "A fidelidade, como todos os outros elementos, deve ser estabelecida entre o casal visando a felicidade e o bem estar de ambos", pondera o professor Anselmo. E, realmente, existem casais que optam por um relacionamento aberto, em que o sexo pode ser mantido com terceiros, separadamente ou até mesmo em conjunto. Não sendo adepta desta linha de pensamento, Carol conclui que "se um casal decide unir seus corpos, não tem porque cometer adultério"; e completa, "quem quer muito acaba não tendo nada".
A Igreja prega que o sexo só pode ser praticado após o casamento, mas já assisti diversos casamentos em que a noiva, tradicionalmente vestida de branco - representação de virgindade e pureza - já demonstrava a enorme barriga dos últimos períodos da gestação. Cerimônia de faz de conta, essa é a impressão que tenho. Por outro lado, parece ser inadmissível que uma mulher tenha um filho sem regularizar sua vida conjugal. Ou seja, engravidou, vai ter que casar! Podemos ouvir muitos argumentos de que em casos assim seja necessário unir o casal para garantir o bem-estar da criança; mas, ao que parece, busca-se apenas manter as aparências para a sociedade. "Só pode haver a união se ambos concordarem, caso contrário não há necessidade", acredita Maria Helena. E descarrega, "tanto a sociedade quanto a criança sobrevivem a qualquer uma das situações".
Atualmente, a principal polêmica envolvendo o casamento tem sido em torno da união homossexual. Gays e lésbicas lutam pela legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. O músico, Cleber Silva, considera que "as escolhas devem ser respeitadas, independentemente dos valores morais". E já que tudo não passa de formalidades, por que há essa resistência em permitir a união jurídica e religiosa desses casais? "A busca da felicidade deve ser a grande meta de qualquer união, seja ela hetero ou homo, pois o que levaremos dessa vida será os momentos felizes que teremos", finaliza Anselmo.
Inevitavelmente, momentos de desacordo são comuns, mas o respeito à opinião do outro pode assegurar um bom entendimento entre as partes. Isto não quer dizer que o casamento seja algo indispensável para garantir um relacionamento feliz. Aliás, o compartilhamento de idéias e relações não deveria ser para provar qualquer coisa.