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O Contador de Estórias que Queria ser Jornalista, por Anderson Souza.
Alguns, logo de súbito, poderão dizer: “Claro!!! Afinal, todo jornalista é de certa maneira um contador de estórias. A notícia é uma estória baseada em fatos reais, muitas vezes contada por um jornalista”. Sensacional resposta, confesso! Mas, quem dera a realidade fosse de fato estória contada por quem verdadeiramente pudéssemos chamar jornalistas. Ocorre que alguns personagens televisivos, auto-intitulados “amigos do povo”, são criados com o único intuito de persuadir o público-alvo, e, olhando de perto, não mereceriam o título de comunicadores sociais, a não ser no diploma pendurado na parede.
Bem, é impressionante como perdemos muitos momentos de nossas vidas assistindo, por exemplo, a programas classificados como jornalísticos e, no entanto, são meras apresentações deturpadas da vida alheia. O jornalismo vem sendo constantemente exercido por charlatões. Óbvio, não podemos generalizar, mas, tenho lido, assistido e ouvido, coisas tão esdrúxulas e irresponsáveis ditas pelos principais meios de comunicação, que é quase impossível pensar em coisas como credibilidade e imparcialidade (tudo bem, a segunda não existe, mas a primeira deveria sempre ser levada em consideração).
Algo que ilustra bem o que digo é o programa, hoje exibido pela Rede Record, Se liga Bocão. Muita gente assiste, mas muita gente o nega ou inventa as desculpas mais comuns. Como estas pessoas eu poderia muito bem dizer: “na qualidade de profissional da área de comunicação social, tenho analisado o conteúdo do programa de forma a tecer comentários e críticas fundamentadas”. Na verdade, quando o assistia era deitado no sofá descansando o almoço, ou, por vezes, simplesmente passando o tempo. Incentivo à violência, demonstração de apoio a agressões praticadas por policiais, humilhação, especulações desnecessárias. Outra voz soltaria: “É, mas ele está tendo audiência”. Parabéns para ele, mas sinceramente não sei se isto é motivo de alegria ou de decepção.
Na faculdade, muitos se formaram jornalistas comigo, porém, poucos hoje estão exercendo a profissão, quer na grande mídia ou na alternativa, quer remuneradamente ou apenas para desabafar, quer por desejo ou por necessidade. Contudo, não ousemos insinuar que estes colegas não são e nunca foram jornalistas de verdade, do contrário, é certo vermos caras fechadas e distanciamento repentino. Recordo-me das apresentações feitas no início de cada semestre aos novos professores. Alguns diziam que o jornalismo era sua vida, argumentando apenas gostar de ler e de escrever. Abstenho-me de comentários sobre isto.
Certa vez passei a cobertura de um evento para um colega, pois, tinha um compromisso marcado para o horário da festa. Certifiquei-me anteriormente sobre sua disponibilidade para o dia e hora. Garantindo não ter nada para fazer e sem lugar algum para ir, fiz o convite. De repente, como que tomado por um susto, alegou não poder fazer a matéria, pois iria visitar a mãe. Acreditem, o susto não foi só dele!
Hoje, formados, mesmo nas condições que citei no quarto parágrafo, é hora de ter seus registros expedidos e a carteira de jornalista em mãos. Além de se sentirem os jornalistas é preciso ter concretamente em seu poder, material que possam exibir, confirmando tal representação de status, se é que isto é possível. Muitos apenas sonham em querer ser, ao invés de buscar fazer, e assim, conseqüentemente, atingir o que, infelizmente, se enganam em se tornar. Ou seja, é possível ser jornalista sem produzir material jornalístico?
Aqueles que atuam na área e recebem salário para isto, só vivem reclamando “...o dinheiro é pouco, ...não tenho mais tempo para outras atividades, ...enquanto fico aqui ralando o outro recebe os créditos”. Ufa! Chega de tantas lamentações. Para se passar informações, primeiro é preciso tê-las. Com isto, acredito que quem se enveredou por essa profissão sem buscar informações sobre como as coisas funcionavam na vida real, só pode viver assim. Dependendo da pretensão da cada um, o choque pode ser grande.
Outro dia, me senti mal ao me apresentar como jornalista. Apesar de não ser minha intenção, senti no meu ato uma prepotência, típica de quem busca atenção, demonstrando algum tipo de superioridade às outras pessoas. Após comentar com um colega, recebi dele uma dica muito bacana. Então, nos apresentamos posteriormente como ex-alunos de jornalismo, pois, acabávamos de nos formar. Só não sei até quando será coerente me identificar desta maneira.
O título deste apanhado de idéias me lembra o fato de nosso amigo Baqueiro ser um historiador jornalista ou um jornalista historiador, mas minha pitada de ironia e sarcasmo em nada se relaciona a ele. Talvez sim, eu seja mais um contador de estórias. Talvez, seja uma mal contada estória isto que acabo de fazer. Este texto parece nada jornalístico e eu pareço estar longe de ser chamado jornalista. Talvez eu esteja mais para jornaleiro de esquina, como diriam as más línguas. Quem sabe o que faço agora se encaixe perfeitamente naquela idéia de gostar de ler e escrever, não fosse o fato de eu nunca ter gostado de ambas as coisas.